Rubem Alves
Sempre vejo anunciados cursos de oratória.
Nunca vi anunciado
curso de escutatória.
Todo mundo quer
aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir.
Pensei em oferecer
um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é
complicado e sutil.
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais
constante e sutil de nossa arrogância e vaidade.
No fundo, somos os mais bonitos...
Diz Alberto Caeiro que... não é bastante não ser cego
para ver as árvores e as flores.
É preciso também
não ter filosofia nenhuma.
Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre
como são as coisas.
Para se ver, é
preciso que a cabeça esteja vazia.
Parafraseio o Alberto Caeiro: Não é bastante ter ouvidos
para ouvir o que é dito.
É preciso também que haja silêncio dentro da alma.
Daí a
dificuldade...
A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar
um palpite melhor...
Sem misturar o que
ele diz com aquilo que a gente tem a dizer.
Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada
consideração.....
E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem
a dizer, que é muito melhor...
Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto,
diante do piano, ficam assentados em silêncio...
Abrindo vazios de
silêncio... Expulsando todas as idéias estranhas.
Todos em silêncio,
à espera do pensamento essencial.
... Aí, de repente, alguém fala.
Curto.
Todos ouvem.
Terminada a fala, novo silêncio.
Falar logo em
seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus
pensamentos.....
Pensamentos que
ele julgava essenciais.
São-me estranhos.
É preciso tempo para entender o que o outro falou.
O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando
cuidadosamente tudo aquilo que você falou.
Não basta o
silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos.
E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a
ouvir coisas que não ouvia.
Se eu falar logo a seguir... São duas as possibilidades.
Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza...
Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza...
Na verdade, não ouvi o que você falou.
Enquanto você
falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola)
fala.
Falo como se você não tivesse falado.
Segunda: Ouvi o que você falou.
Mas, isso que você
falou como novidade eu já pensei há muito tempo.
É coisa velha para
mim.
Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.
Em ambos os casos,
estou chamando o outro de tolo.
O que é pior que
uma bofetada.
Eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa
conhecia a experiência...
E, se referia a
algo que se ouve nos interstícios das palavras...
No lugar onde não há palavras.
A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa.
No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada.
Somos todos olhos
e ouvidos.
Aí, livres dos
ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não
havia... Que de tão linda nos faz chorar...
Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio.
Daí a importância
de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.