quinta-feira, 29 de setembro de 2011

PODIA SER por André Luiz



A velhinha que vimos, vergada ao peso do sofrimento, não é aquela benfeitora que nos ofertou o berço na Terra, no entanto, podia ser...
O trabalhador abatido que passou esmagado de angustia, não é aquele amigo respeitável que nos serviu de pai no mundo, mas, em verdade, podia ser...
A criança desditosa, que renteou conosco na via pública, não é nosso filhinho, contudo, podia ser...
O mendigo cansado de abandono, relegado à incerteza da rua, não é pessoa de nossa casa, entretanto, podia ser...
O doente caído em desamparo e cujo martírio orgânico nos inclina a pensar nas desventura dos que vagam sem teto, não é nosso parente consangüíneo, todavia,
podia ser...
Diante dos que choram e sofrem coloquemo-nos, de imediato, em lugar deles, e saberemos compreender que toda migalha de bondade e alegria é talento de luz...
Caridade é bênção de Deus em movimento constante.
Hoje é a nossa hora de dar, amanhã será o nosso dia de receber.
André Luiz(Do livro “Marcas do Caminho",  Francisco C. Xavier)

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Ler deveria ser proibido - Por Guiomar de Grammont


A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido. 
Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para 
realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo
insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o 
homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não me 
deixam mentir os exemplos de Dom Quixote e Madame Bovary. 

O primeiro, coitado, de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais 
existiram 
meteu-se pelo mundo afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha 
de ossos que mal sustinha a si e ao pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma 
Bovary, tomou-se esposa inútil para fofocas e bordados, perdendo-se em 
delírios sobre bailes e amores cortesãos. 

Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto 
perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que 
tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um 
poder incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele 
morreria feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. 

Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se 
dedicaria ao 
trabalho com afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da 
imaginação. 

Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não 
experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para que 
conhecer se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas 
executar ordens? Se o que deve, enfim, é fazer o que dele esperam e nada 
mais? 

Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie 
atalhos para caminhos que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode 
gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser 
humano além do que lhe é devido. 

Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. 
Nos transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios 
azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do 
que um punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há 
horizontes para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens. 

Estrelas jamais percebidas. É preciso desconfiar desse pendor para o 
absurdo que nos impede de aceitar nossas realidades cruas. 

Não, não dêem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus 
filhos, pode levá-los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela 
descoberta que fez do homem um animal diferente. Antes estivesse ainda a 
passear de quatro patas, sem noção de progresso e civilização, mas 
tampouco sem conhecer guerras, destruição, violência. Professores, não 
contem histórias, pode estimular uma curiosidade indesejável em seres 
que a vida destinou para a repetição e para o trabalho duro. 

Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais 
dos seus direitos políticos em um mundo administrado, onde ser livre 
não passa de uma ficção sem nenhuma verosimilhança. Seria impossível 
controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o 
que desejam. Se todos se pusessem a articular bem suas demandas, a
fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de 
conquista de sua liberdade. 

O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas lêem por 
razões utilitárias: para compreender formulários, contratos, bulas de 
remédio, projetos, manuais etc. Observem as filas, um dos pequenos 
cancros da civilização contemporânea. Bastaria um livro para que todos 
se vissem magicamente transportados para outras dimensões, menos 
incômodas. E esse o tapete mágico, o pó de pirlimpimpim, a máquina do 
tempo. 

Para o homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões 
tampouco. O que é mais subversivo do que a leitura? 

É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou 
para se divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns, 
jamais àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em 
filas, em metros, ou no silêncio da alcova. Ler deve ser coisa rara, não 
para qualquer um. 

Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos. 
Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão. 
Para executar ordens, a palavra é inútil. 

Além disso, a leitura promove a comunicação de dores e alegrias, 
tantos outros sentimentos. A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna 
coletivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça 
os indivíduos, porque os faz identificar sua história a outras 
histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. 

Sim, a leitura devia ser proibida. 
Ler pode tornar o homem perigosamente humano.